01. Cultura e Cidadania:

(Texto adaptado do texto base da I Conferencia Nacional de Cultura –MINC/CNC)
Entre o conjunto de deveres do Estado, previstos pela Constituição Brasileira, está o de proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência (art.23-V). No art. 215 – capítulo III, no título da Ordem Social, dedicado à educação, cultura e desporto – está previsto que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. O parágrafo 1° do mesmo artigo ainda prevê: o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e as de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. Um processo contínuo de democratização cultural deve estar baseado em uma visão de cultura como força social de interesse coletivo, que não pode ficar à mercê das disposições ocasionais do mercado. Nesse processo, o Estado procura criar condições de acesso igualitário à cultura para todos os indivíduos e grupos. Numa democracia participativa, a cultura deve ser encarada como uma das expressões da cidadania, um dos objetivos de governo deve ser, então, o da promoção das formas culturais de todos os grupos sociais, segundo as necessidades e desejos de cada um, procurando incentivar a participação popular no processo de criação cultural e
promover modos de autogestão das iniciativas culturais. A cidadania democrática e cultural contribui para a superação de desigualdades, para o reconhecimento das diferenças reais existentes entre os sujeitos em suas dimensões sociais e culturais. Os seres sociais são sujeitos concretos, entrelaçados em redes de relações, em projetos coletivos. É com base na riqueza dessas experiências e de suas necessidades que construiremos a participação coletiva na vida política e cultural da nação. Uma política cultural atualizada deve reconhecer a existência da diversidade de públicos, com as visões e interesses diferenciados que compõem a contemporaneidade. No caso brasileiro, temos a premência de reverter o processo de exclusão da maior parcela do público das oportunidades de consumo e de criação culturais. Nestor Canclini utiliza o conceito de hibridização cultural como uma ferramenta para demolir a concepção do mundo da cultura em três camadas: culta,popular e massiva. O conceito de hibridização abrange diversas mesclas interculturais, não apenas as raciais, que se costuma encaixar no termo mestiçagem, ou as
preponderantemente religiosas, categorizadas enquanto sincretismos. As garantias de
cidadania e democracia culturais, passam pela elaboração de uma política de sustentação e ampliação do capital cultural. Essa ampliação pode ser construída a partir da discussão das formas de controle da dinâmica do setor, gerando condições para o desenvolvimento de práticas culturais duradouras, tanto no campo do consumo quanto no da produção.
Alguns fóruns nacionais e internacionais de discussão sobre o processo de democratização da cultura vêm sendo realizados, gerando diversos documentos que contêm análises da situação e propostas de ações. Na pauta do Fórum Cultural Mundial de 2004, encontramos propostas de implementação de:
1 – uma cultura de transparência, com aplicação de recursos fiscalizados coletivamente;
2 – uma cultura de parcerias, incluindo o trabalho permanente na construção de capital cultural coletivo, com apropriação mais ampla de resultados;
3 – uma cultura do planejamento, com fomento de estratégias, em longo prazo, para o desenvolvimento cultural, econômico e social;
4 – uma cultura de otimização, com a aplicação de recursos compartilhados visando obter mais resultados com menor investimento financeiro; 
5 – uma nova cultura estética, investindo na qualidade artística, na pesquisa de linguagens, na contemporaneidade e nas tradições, evidenciando e promovendo a diversidade cultural; 6 – a criação de uma plataforma de ação coletiva que promova a cultura e o desenvolvimento.
A Agenda 21 da cultura, assinada em 2004, em Barcelona, também traz entre seus princípios, algumas questões ligadas à democracia e cidadania cultural, tais como:
1 – a diversidade cultural é o principal patrimônio da humanidade; 
2 – o desenvolvimento cultural se apóia na multiplicidade dos agentes sociais. Os princípios
de um bom governo incluem tanto a transparência informativa como a participação cidadã na concepção das políticas culturais e nos processos de tomada de decisão, na avaliação de programas e projetos; 
3 – O diálogo entre identidade e diversidade, indivíduo e coletividade, se revela como ferramenta necessária para garantir tanto uma cidadania cultural planetária, quanto a sobrevivência e desenvolvimento das culturas;
4 – as políticas culturais devem encontrar um ponto de equilíbrio entre o interesse público e o privado, vocação pública e institucionalização da cultura;
5 – o acesso ao universo cultural e simbólico, desde a infância até a velhice, constitui
elemento fundamental na formação da sensibilidade, da expressividade, da convergência e da construção da cidadania. A identidade cultural de todo indivíduo é dinâmica. Além disso, considere-se que políticas sociais, com orçamentos concentrados nas áreas de educação e assistência social – embora tais áreas preconizem a ação e o acesso à cultura entre suas preferências conceituais – estão longe de priorizar investimentos em recursos para a promoção cultural que, de fato, propiciará “igualdade de condições para o acesso”, a permanência e a performance escolar e social do educando como do assistido.
A política da seguridade e da assistência social, por sua vez, focaliza suas ações no atendimento às condições mais determinantes da vida – a renda mínima, a alimentação, a saúde. A prioridade da área educacional, como se sabe, é a garantia crescente de vagas, particularmente, do “ensino fundamental obrigatório de oito anos a todas as crianças de 7 a 14 anos” (arts. 212 § 3o e 214 da CF, art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e garantias 1 a 3 dos objetivos e prioridades da Introdução/Capítulo I do Plano Nacional de Educação 2001-2010). Após quarenta e cinco anos da promulgação do primeiro Plano Nacional de Educação (PNE), o País e as políticas públicas sociais não incorporaram a idéia de que a cultura já não é “bem acessório, mas uma condição sine qua non para que o brasileiro” se torne cidadão, exercendo “seus direitos políticos e seu poder econômico”, e viva “decente e dignamente” [a citação, de Anísio Teixeira, denunciava o desprestígio
político da área educacional quando da aprovação do PNE, em 1961]. Cabe, em perspectiva similar, perguntar que papel os bens e serviços culturais desempenham ou
poderiam desempenhar na “equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino”. Afinal, sendo a educação considerada prioridade das prioridades para a inclusão cidadã e o desenvolvimento sustentado, que a cultura seja um meio reconhecido e seriamente encarado para a qualificação cidadã e educacional.
Assim, algumas questões ficam por responder: que procedimentos devem ser formulados para garantir que a política na área da cultura consolide os direitos fundamentais da cidadania? Quais deveriam ser os principais direitos do cidadão com relação à cultura? Como garantir canais de interação e expressão cultural entre os diversos segmentos da sociedade? Como qualificar a pauta da cultura nas políticas sociais, consideradas estratégicas pelo Poder Público? Quais processos de planejamento devem ser instalados para que o debate e a implementação das políticas fiquem garantidos com a participação dos vários segmentos sociais? Como efetivar os direitos culturais de maneira igualitárias, atendendo todo o território municipal e contemplando a diversidade cultural existentes? Que programas e ações devem ser criados para fortalecer o acesso aos direitos culturais? Qual a forma para implementar uma cidadania plena, tomando por base o acesso aos bens culturais? De que forma garantir o acesso a formação e expressão das diferentes culturas existentes em Campo Largo, entendendo-as como legítima expressão e força motor da cidadania cultural?