03. Economia da Cultura

(Texto adaptado do texto base da I Conferencia Nacional de Cultura –MINC/CNC) Na última década, foram desenvolvidos estudos sobre as relações entre economia e cultura. Para muitos, essa relação é ainda de difícil convivência. O uso das duas palavras não coincide nas linguagens cotidianas. Muitos artistas não relacionam seus trabalhos com a economia. Alguns discursos ao redor das atividades culturais vêem perigos na abordagem dessa relação e não a aceitam. Por outro lado, muitos economistas tratam a cultura como uma atividade marginal em seus campos de estudo ou simplesmente como algo que deve ser abordado por outras ciências. Ainda temos o fato de que, ao pensarmos a definição de cultura pelo viés da Antropologia, devemos considerar a questão de que os modos culturais são  determinantes e diferenciados em todos os saberes e fazeres da sociedade. Em 2001, foi realizado no Rio de Janeiro um ciclo de encontros sobre economia da cultura. Os resultados do encontro foram publicados no livro Economia da cultura: a força da indústria cultural no Rio de Janeiro, no qual encontramos a economia da cultura definida como a reunião de “todas as atividades econômicas que guardam relação com atividades culturais – seja como realizadoras de produto final, seja como supridoras de bens e serviços intermediários que viabilizam o consumo do produto cultural. Inclui, por exemplo, a indústria do cinema e da TV, a indústria da música e de espetáculos, a indústria gráfica e editorial, assim como setores de hotelaria e o consumo de alimentos e bebidas relacionados com eventos e turismo culturais” (Prestes Filho, 2001, p. 14). Diversas atividades culturais apresentam dimensão claramente econômica estando envolvidas em processos de produção, circulação e consumo, ou seja, os produtos oriundos desses trabalhos têm um valor de uso, de
compra e de venda, para os produzem e para os que deles necessitam. As questões da economia e a diversidade das práticas culturais. O universo das atividades culturais é muito grande. Dentro do que se costuma considerar como setores culturais, se encontram distintos tipos de atividades culturais, desde expressões do folclore e da cultura popular, até a cultura midiática, passando pelas manifestações da cultura da elite ou das belas-artes e do patrimônio. As manifestações econômicas que se encontram dentro desse universo, também são variadas. Algumas práticas culturais se desenvolvem no mercado, criando produtos que podem ser vendidos, permitindo ao produtor viver de seu trabalho. Outras são subvencionadas pelo Estado ou por mecenas, ou seja, necessitam de apoio financeiro para se desenvolverem plenamente. Estejam ou não situadas no mercado, como atividades produtivas, todas as atividades culturais têm dimensões econômicas, pois para sua realização são necessários recursos, seja para obtenção de matéria-prima, seja para a realização do trabalho. Uma das questões que atualmente tem estado em pauta nas administrações públicas é a de avaliar o papel dos setores da cultura na economia, mediante cifras concretas que permitam qualificar e quantificar a incidência das variáveis culturais no produto interno bruto, nas vendas, contratação de serviços, exportações, importações, empregos, transações com direitos de autores e intérpretes, entre outros. Tais números têm papel fundamental: ajudam a da visibilidade a um setor que até pouco
tempo somente era reconhecido pelos seus valores simbólicos. Essas cifras permitem ver que o setor cultural não é só um lugar de demanda de recursos, pois uma parte dele, além de financiar as atividades que gera, rende ou pode render importantes benefícios econômicos de alcance variado. Um importante exemplo é o do movimento turístico, que tem como uma de suas principais atrações as manifestações culturais. Os números da produção cultural, reunidos com os dados de consumo, permitem identificar problemas, potencialidades, oportunidades e riscos nos processos econômicos da área cultural. Em um recente estudo sobre a cadeia produtiva do livro, os economistas Fábio Sá Earp e George Kornis tratam da questão da necessidade do encontro das informações entre produção e consumo. “O problema fundamental do editor não é colocar o seu produto no mercado, mas encontrar o leitor para cada um de seus títulos. O problema fundamental do consumidor é encontrar os livros que o interessam em meio à multiplicidade de títulos produzidos. Juntando a oferta fácil com a demanda difícil, temos que fazer com que editores e compradores de livros se encontrem mutuamente”. (Earp e Kornis, 2005, p. 18)
Mas não é só o setor do livro que encontra problemas para conciliar a produção e o consumo. Caminhamos hoje rumo à valorização da diversidade cultural e esse movimento deve estar acompanhado da criação de mecanismos institucionais e de mecanismos de financiamento que permitam a expressão dessa diversidade, que contribuam para a criação de redes mais amplas de circulação da produção cultural. Em todo o país vêm se multiplicando iniciativas que reúnem em cooperativas e associações produtores culturais das mais diversas áreas, permitindo uma circulação mais ampliada da produção. Esse movimento termina por reforçar os laços de identidade e de valorização dos saberes e dos fazeres locais. Fontes de financiamento da cultura Diversos países a partir dos anos 1980 tiveram seus orçamentos diminuídos e, a partir de então, têm procurado desenvolver uma legislação que estimule a diversificação das fontes de financiamento para a cultura, em muitos casos buscando a parceria com o setor privado. A questão das fontes de financiamento deve ser pensada dentro do conjunto da política cultural. Isaura Botelho, ao analisar políticas de financiamento de diversos países, chama a atenção para o fato de que “sendo o financiamento um dos mais poderosos mecanismos para a consecução de uma política pública, ele deve ser a tradução de um objetivo que se quer alcançar. É através dele que se pode intervir de forma direta na solução de problemas detectados ou no
estímulo a determinadas atividades, com impactos que podem ser relativamente previsíveis” (Moisés e Botelho. 1997. p. 96). Mesmo nos países onde investimentos
privados prevalecem sobre investimentos públicos, como é o caso dos Estados Unidos,
cabe ao Estado o papel da regulação desses investimentos, promovendo-se a correção
ou compensação das desigualdades econômicas e sociais, quer de minorias étnicas,
quer dentro das próprias atividades culturais – caso, por exemplo, do seguro
desemprego para a área teatral. Estudos na área da Economia da Cultura geram informações que permitem avaliar os aportes dos setores da cultura na economia e avaliar o país dentro da perspectiva mundial de produção e consumo de bens culturais. Isso, por sua vez,
implica em possibilidades de fortalecimento de mercados, distribuição de produtos,
geração de empregos, transferência de tecnologia, ampliação e democratização dos
meios de produção. Necessitamos, portanto, conhecer quem são os principais produtores culturais e como se dá a competição entre eles pelo acesso aos diversos fatores de produção. Quais são os principais financiadores e os principais fornecedores de instalações,
tecnologia e equipamentos? Como é a formação da mão-de-obra? Quais são os principais distribuidores, divulgadores e agentes de comercialização? E, neste contexto, quais devem ser os mecanismos e os critérios de operação e cooperação dos três níveis – federal, estadual e municipal – , para financiar a atividade cultural? Quais devem ser as prioridades das políticas públicas de cultura na dinamização das diferentes cadeias produtivas da cultura? Qual o papel da iniciativa privada no financiamento à cultura? Como criar linhas de financiamento para os produtores e capacitá-los para a comercialização e o empreendedorismo cultural? Qual o papel do chamado sistema “S” para a dinamização da economia da cultura? Como estimular a formação de práticas associativistas? O que regulamentar, e como, no relacionamento entre prestadores e tomadores de serviços culturais? Como criar políticas que promovam o encontro entre produção e consumo culturais? Como definir perfis de desenvolvimento para o setor cultural nas regiões e no município como um todo? Como consolidar fóruns permanentes de discussão com os principais agentes das cadeias produtivas da cultura? Estas são questões que merecem ser dimensionadas no debate.