05. Gestão e Institucionalização da Cultura

(Texto adaptado do texto base da I Conferencia Nacional de Cultura –MINC/CNC) A discussão sobre o papel do Estado na cultura deve ser feita em cada país, estado e municipio de forma diferente. Cada povo tem sua própria história e práticas culturais peculiares. No caso do Brasil, onde a diversidade interna é um dos traços mais fortes e mais nítidos da cultura, as estratégias de gestão pública necessitam ser pensadas tanto como diretrizes gerais nacionais, quanto em termos de ações regionalizadas. Tratar a questão da cultura no campo da gestão pública requer a atenção para alguns pressupostos. Entre eles destacam-se o da necessidade de perceber a cultura na qualidade de bem coletivo e o de observar a interferência das práticas culturais enraizadas nas ações levadas a cabo pelas mais diversas áreas governamentais (saúde, educação, meio-ambiente, entre outras). Uma política cultural que queira desempenhar seu papel tem que ter delimitado claramente seu universo de atuação. O fomento à cultura em sua dimensão antropológica, não deve ser
responsabilidade específica de um setor governamental, deve estar nas diretrizes
globais de governo, integradas com o conjunto das áreas de atuação do Estado. Qualquer processo de gestão requer diretrizes, planejamento, execução e avaliação de resultados, e com a cultura não ocorre diferente. A seguir estão apresentadas algumas questões levantadas por estudos diversos sobre a elaboração de políticas culturais. Segundo Teixeira Coelho, no Dicionário crítico de política cultural, podemos ter políticas públicas de cultura elaboradas a partir de duas motivações básicas: a de levar a cultura ao povo – “lema revelador, que mal oculta a representação segundo a qual a cultura e o povo são entidades distintas e afastadas uma da outra, quando não opostas” (Coelho, 1997. p. 294) – e a de responder às demandas sociais. Nesse último caso, há o fato de que na maioria das vezes as
demandas são hipotéticas, pois faltam bases de informações, de pesquisa de público
que efetivamente representem a demanda cultural – “nesse caso, o autor da política cultural não toma propriamente a iniciativa do processo, mas limita-se a reagir segundo as reivindicações que lhe são apresentadas”. (Coelho, 1997. p. 294) Ainda segundo Teixeira Coelho, quanto à relação com o objeto, essas políticas costumam se classificadas como: 1 – patrimonialistas, buscando a preservação, fomento e difusão de tradições culturais supostamente autóctones, ligadas ‘as origens do país, ao patrimônio histórico e artístico; 2 – criacionistas, promovendo a produção, distribuição e uso de novos valores e obras culturais, em geral privilegiando as formas culturais próprias das classes médias ou da elite.
Nestor Canclini, em Culturas híbridas, classifica como gestões culturais tradicionalistas, aquelas que promovem as práticas culturais nacionais e populares autênticas a serem preservadas da industrialização, da massificação urbana e das influências estrangeiras e como gestões culturais modernizadoras, aquelas que partem de uma concepção de arte pela arte, sem fronteiras territoriais, confiando na experimentação e na inovação autônoma, com fé no progresso. Quanto aos modelos ideológicos de elaboração de políticas, são destacados três: 1 – política de dirigismo cultural, podendo ter como tônica principal a cultura popular ou não; 2 – política de liberalismo cultural, que não defende modelos únicos de representação simbólica nem entende, necessariamente, que é dever do Estado promover a cultura e oferecer opções culturais à população; 3 – políticas de democratização cultural, baseadas no princípio de que a cultura é uma força social de interesse coletivo que não pode ficar à mercê das disposições ocasionais do mercado, devendo, portanto, ser apoiada em princípios consensuais. O país vive hoje um processo contínuo de construção de projetos coletivos de gestão pública. A base dessa gestão deve ser o reconhecimento cultural dos distintos agentes sociais e a criação de canais de participação democrática. Um dos grandes desafios da gestão pública da cultura e da avaliação das ações implementadas diz respeito à relatividade de seus objetivos e à multiplicidade de efeitos buscados ou por ela alcançados. As ações públicas têm que ter fundamentos, uma coerência entre o que se diz buscar e o que se faz de concreto para tanto. No campo das políticas culturais, a relação causa e efeito não é direta. Os resultados dependem da apreciação de outros fatores, estranhos ao processo da ação cultural estrito senso. O principal foco de atuação de um administrador cultural poderia ser resumido
em algumas funções básicas: 1 – criar condições para que a produção cultural aconteça; 2 – cuidar da preservação do patrimônio cultural (material e imaterial); 3 – aproximar o produtor cultural do seu público; 4 – criar condições para que as obras entrem num sistema de circulação que lhes possibilite o acesso a pontos públicos de exibição; 5 – avaliar os resultados dos projetos implementados; 6 – estimular a comunidade a desenvolver seu próprio potencial criativo, o que se consegue tanto por intermédio da formação de públicos quanto através da descoberta e da preparação de artistas e dos diversos profissionais da cultura. Outra questão importante se refere ao fato de que no campo da cultura, em geral, é a oferta que determina a procura, mais do que o inverso. Isso cria a necessidade de programas sustentados por políticas públicas destinadas àqueles modos e práticas não cobertos habitualmente pelas diversas ramificações do mercado cultural.
A tendência mundial aponta para o uso dos recursos de modo que resultem em ações ou produtos (um centro de cultura, um museu, uma biblioteca, um curso de formação) capazes de se propor como multiplicadores dos ativos culturais, em vez de perseguir-se uma política de pulverização de recursos, que, mesmo cobrindo vastos espaços territoriais, não evita a falta de capilaridade no tecido cultural – como, por exemplo, o financiamento de uma série de eventos em diversas localidades que se apresentem de maneira isolada e como simples forma de entretenimento. No caso brasileiro, encontramos em todos os níveis de governo órgãos responsáveis pela gestão cultural. É necessária uma maior interação, por exemplo, das empresas no sistema ”S”, no planejamento de ações públicas no campo da cultura, tanto na produção, circulação e consumo de produtos culturais, quanto na formação e aprimoramento de produtores e agentes culturais. Existe ainda uma série de  possibilidades de parcerias entre a área pública e a privada, entre a sociedade civil e o
setor público, que necessitam ser exploradas. O grande desafio é o de definir a relação
entre os vários órgãos públicos de gestão cultural nos níveis federal, estadual/do DF e
municipal, e destes com outras áreas governamentais, com as instituições privadas e com a sociedade civil. Algumas das questões que se colocam para o debate são as seguintes: Qual o papel do Estado na Cultura? Qual a responsabilidade do poder público municipal em relação à cadeia produtiva da cultura e à garantia dos direitos culturais? Qual o perfil
dos gestores culturais? Que instrumentos devem ser organizados para a avaliação dos
recursos necessários ao desenvolvimento de cada área da cadeia produtiva da cultura?
Como gerar as informações necessárias para um real conhecimento da cadeia produtiva da cultura? Que instrumentos de gestão devem ser criados para garantir a continuidade das ações e políticas de cultura? Como garantir um processo permanente de capacitação de gestores e produtores culturais? Como gerar um processo de profissionalização da gestão cultural também nos níveis superiores, com formação de especialistas para atuarem nas áreas de docência e de assessoramento? Como criar instrumentos de acompanhamento e avaliação das políticas estabelecidas? Como fortalecer a participação efetiva e permanente dos movimentos culturais organizados? Como garantir a transversalidade da política cultural junto às áreas afins (educação, meio ambiente, trabalho, turismo, relações exteriores, etc.)?